“O mundo da vida, outro mundo do mundo, conserva a distinção [de sentido e não sentido] como um a priori puramente formal e, por isso, é justo sustentar que, nele, estão contidas todas as possibilidades . toda a ordem e toda a desordem do mundo. Qualquer um que se disponha a ouvir as vozes que vêm aquelas profundezas caóticas deve acertar as contas com o limite que ele mesmo impõe. O limite é a linguagem. Que é idêntica ao mundo: por isso que se pode pensar em uma limitação mais drástica e em um silenciar mais profundo, para além do limite” (S. Givone, Il bilbliotecario di Leibniz, Einaudi 2005). É assim que Sergio Givone introduz a distinção entre linguagem-mundo e mundo da vida, em que a vida é expressa como um oceano infinito e silencioso. E continua: .Também são águas agitadas, aquelas. Em contínuo movimento. As ondas deste oceano tocam as margens da linguagem-mundo e redefinem os seus contornos. Agitação [...] é o incessante trabalho da erosão e da recomposição do limite. Mas agitação também é a impossibilidade de manter o limite. Então, por que as narrativas? Porque, embora também sejam uma articulação da linguagem-mundo, elas não temem conservar a inquietude que agita o mundo da vida. Apenas a arte pode restituir, através das suas narrativas, a dimensão sentimental da existência, criando fendas sobre o movimento aberto e infinito que é a própria vida, e nos induzir a reinventar constantemente o mundo. Neste incessante processo de estruturação das formas, o homem é parte mais ou menos ativa conforme a sua sensibilidade estética. Quer dizer, de acordo com a sua capacidade de acessar e conviver com a inquietude, de se fazer artista de uma nova combinação. Ao lógos da linguagem-mundo, o mundo da vida conjuga, então, o mýthos, mais problemático e, por isso, mais explicativo, mesmo que nem sempre traduzível em termos de coerência lógica. A narrativa explica, mas também consola do insuprimível silêncio. Une e compensa. É um instrumento de elaboração identitária, individual e coletiva. Assegura, para isso, que o passado não será esquecido e que a possibilidade futura não deixará de ser vislumbrada. O contar histórias proporciona o tempo para a vida, (entre)tendo o tempo do mundo. O mundo da vida é linguagem e narrativa. É uma estrutura certa, mas aberta à inquietude da incerteza, que é a possibilidade de modificação, embora arriscada. Se a linguagem - da filosofia de Wittgenstein em diante - identifica o limite do mundo, à história corresponde a impossibilidade de manter este limite rígido. É bem verdade que este raciocínio não está longe de um pensamento sobre o direito e da ambição pela medida que o direito traz consigo. O direito, entre as instituições do mundo, é a maior responsável por responder às exigências da vida, desde aquelas puramente ligadas à sobrevivência até aquelas ditadas pelo universo das relações. Certamente, o mundo da vida contempla tanto o ius e a lex quanto o não-direito, mas é precisamente nesta juridicité , na qual reside a possibilidade de observar as articulações do direito e do nãodireito também como histórias jurídicas . que se deve buscar a matriz passional da extensão da sua inquietude. A consciência disso induz a desconstruir criticamente muitas das convicções que sustentaram o pensamento ocidental moderno . que hoje chegou à deriva ., reavaliando outras possibilidades de inteligência que se atenham a perspectivas futuras, na observação do mundo da vida, como da vida no direito e através do direito. Pouco importa que tais perspectivas sejam consideradas científicas no sentido mais ou menos ortodoxo. Do nosso singelo ponto de vista, é suficiente o fato de que estudiosos de muitas disciplinas especializadas que se ocupam do direito . como ordenamento positivo, mas também como ele espontaneamente emerge do tecido social . estejam interpretando-o, cada vez mais, como uma linguagem entre outras e comecem a levar em conta também o não-direito, precisamente porque ele é um silêncio rumoroso da vida que se impõe escutar. Um silêncio que é o mesmo que reside nas escolhas trágicas que o direito deve fazer. Mais que a certificação de ciência, portanto, nos interessa percorrer um caminho com o método rigoroso de quem pode contemplar também as feridas da lucidez, para satisfazer as exigências de uma compreensão capaz de sugerir possilidades para a vida.

Narrativas de mulheres a partir do mundo da vida

MITTICA, MARIA PAOLA
2010

Abstract

“O mundo da vida, outro mundo do mundo, conserva a distinção [de sentido e não sentido] como um a priori puramente formal e, por isso, é justo sustentar que, nele, estão contidas todas as possibilidades . toda a ordem e toda a desordem do mundo. Qualquer um que se disponha a ouvir as vozes que vêm aquelas profundezas caóticas deve acertar as contas com o limite que ele mesmo impõe. O limite é a linguagem. Que é idêntica ao mundo: por isso que se pode pensar em uma limitação mais drástica e em um silenciar mais profundo, para além do limite” (S. Givone, Il bilbliotecario di Leibniz, Einaudi 2005). É assim que Sergio Givone introduz a distinção entre linguagem-mundo e mundo da vida, em que a vida é expressa como um oceano infinito e silencioso. E continua: .Também são águas agitadas, aquelas. Em contínuo movimento. As ondas deste oceano tocam as margens da linguagem-mundo e redefinem os seus contornos. Agitação [...] é o incessante trabalho da erosão e da recomposição do limite. Mas agitação também é a impossibilidade de manter o limite. Então, por que as narrativas? Porque, embora também sejam uma articulação da linguagem-mundo, elas não temem conservar a inquietude que agita o mundo da vida. Apenas a arte pode restituir, através das suas narrativas, a dimensão sentimental da existência, criando fendas sobre o movimento aberto e infinito que é a própria vida, e nos induzir a reinventar constantemente o mundo. Neste incessante processo de estruturação das formas, o homem é parte mais ou menos ativa conforme a sua sensibilidade estética. Quer dizer, de acordo com a sua capacidade de acessar e conviver com a inquietude, de se fazer artista de uma nova combinação. Ao lógos da linguagem-mundo, o mundo da vida conjuga, então, o mýthos, mais problemático e, por isso, mais explicativo, mesmo que nem sempre traduzível em termos de coerência lógica. A narrativa explica, mas também consola do insuprimível silêncio. Une e compensa. É um instrumento de elaboração identitária, individual e coletiva. Assegura, para isso, que o passado não será esquecido e que a possibilidade futura não deixará de ser vislumbrada. O contar histórias proporciona o tempo para a vida, (entre)tendo o tempo do mundo. O mundo da vida é linguagem e narrativa. É uma estrutura certa, mas aberta à inquietude da incerteza, que é a possibilidade de modificação, embora arriscada. Se a linguagem - da filosofia de Wittgenstein em diante - identifica o limite do mundo, à história corresponde a impossibilidade de manter este limite rígido. É bem verdade que este raciocínio não está longe de um pensamento sobre o direito e da ambição pela medida que o direito traz consigo. O direito, entre as instituições do mundo, é a maior responsável por responder às exigências da vida, desde aquelas puramente ligadas à sobrevivência até aquelas ditadas pelo universo das relações. Certamente, o mundo da vida contempla tanto o ius e a lex quanto o não-direito, mas é precisamente nesta juridicité , na qual reside a possibilidade de observar as articulações do direito e do nãodireito também como histórias jurídicas . que se deve buscar a matriz passional da extensão da sua inquietude. A consciência disso induz a desconstruir criticamente muitas das convicções que sustentaram o pensamento ocidental moderno . que hoje chegou à deriva ., reavaliando outras possibilidades de inteligência que se atenham a perspectivas futuras, na observação do mundo da vida, como da vida no direito e através do direito. Pouco importa que tais perspectivas sejam consideradas científicas no sentido mais ou menos ortodoxo. Do nosso singelo ponto de vista, é suficiente o fato de que estudiosos de muitas disciplinas especializadas que se ocupam do direito . como ordenamento positivo, mas também como ele espontaneamente emerge do tecido social . estejam interpretando-o, cada vez mais, como uma linguagem entre outras e comecem a levar em conta também o não-direito, precisamente porque ele é um silêncio rumoroso da vida que se impõe escutar. Um silêncio que é o mesmo que reside nas escolhas trágicas que o direito deve fazer. Mais que a certificação de ciência, portanto, nos interessa percorrer um caminho com o método rigoroso de quem pode contemplar também as feridas da lucidez, para satisfazer as exigências de uma compreensão capaz de sugerir possilidades para a vida.
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Utilizza questo identificativo per citare o creare un link a questo documento: https://hdl.handle.net/11576/2503347
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